Destruição do mercado de trabalho atinge níveis históricos

Brasil ultrapassa 30 milhões de pessoas recebendo até um salário mínimo, e 46 milhões de famílias, ou quase um terço dos lares, sequer tem renda do trabalho

21 set 2021, 13:55 Tempo de leitura: 5 minutos, 34 segundos
Destruição do mercado de trabalho atinge níveis históricos

A destruição do mercado de trabalho brasileiro desde o golpe de 2016 alcança níveis históricos. O número de pessoas recebendo menos ou até um salário mínimo mensal, por exemplo, chegou a 30,2 milhões, marca nunca alcançada desde pelo menos 2012, quando se iniciou a série histórica da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad), elaborada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Como proporção do total de ocupados, há no Brasil atualmente 34,4% de trabalhadores recebendo até um salário mínimo – também o maior patamar desde o início da série histórica. O levantamento foi elaborado pela consultoria IDados a pedido do portal G1, com base nos indicadores do segundo trimestre deste ano.

“As pessoas estão encontrando um mercado de trabalho diferente do que existia antes da pandemia. É um mercado em que muitas empresas faliram, quebraram. Grande parte das opções de emprego não existe mais”, observa Bruno Ottoni, pesquisador do IDados e autor do levantamento.

“Muita gente entra no mercado como conta própria ou informalmente, e essas pessoas tendem a ter um rendimento mais baixo do que aquelas que trabalham com carteira”, acrescentou o pesquisador.

O levantamento do IDados também revela que a população negra representa 20 milhões dos 30,2 milhões de trabalhadores que ganham até um mínimo. Hoje, diz o estudo, 43,1% dos negros ocupados recebem até R$ 1,1 mil. No quarto trimestre de 2015, melhor momento da série histórica, 34,4% ganhavam até o salário mínimo.

“As políticas de ação afirmativa tiveram resultados importantes. Há muitas políticas de acesso à universidade, mas nós tivemos menos políticas no mercado de trabalho”, pontuou Ottoni. “Apesar de o país ter tido ganho de escolaridade da população negra, os avanços não foram expressivos no mercado de trabalho.”

O pesquisador destacou o papel da inflação no agravamento da conjuntura. “Para a parcela da população que já tem um rendimento muito baixo, a situação fica ainda mais preocupante, porque grande parte da inflação afeta mais fortemente essa faixa da população”, ressaltou.

Em agosto, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), indexador oficial da inflação, subiu 0,87%, maior alta para o mês desde 2000. O IPCA acumulado em 12 meses chegou a 9,68%. Considerado a “inflação dos mais pobres”, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), referente às famílias com rendimento de um a cinco salários mínimos, teve alta semelhante à do IPCA: 0,88% em agosto. Mas no ano o indicador acumula alta de 5,94% e, em 12 meses, de 10,42%.

Com isso, a Pesquisa Nacional da Cesta Básica de Alimentos, do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), aponta que, em agosto, o salário mínimo necessário deveria ser equivalente a R$ 5.583,90. O valor, correspondente a 5,08 vezes o piso nacional (R$ 1.100,00), seria o adequado para uma família com dois adultos e duas crianças.

Três em dez lares vivem sem renda do trabalho

A Carta de Conjuntura divulgada na última quinta-feira (16) pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) aponta que, além dos 30,2 milhões ganhando no máximo o mínimo, o percentual de lares sem renda do trabalho no segundo trimestre de 2021 também se mantém em patamar histórico.

No período, a proporção de domicílios sem renda do trabalho foi estimada em 28,5% –ou quase três em cada dez lares. Na prática, são 46 milhões de pessoas sobrevivendo em residências sem dinheiro obtido por meio de atividades profissionais. O sustento, nesses casos, pode vir de programas de transferência de recursos, como auxílio emergencial, aposentadorias e pensões.

No quarto trimestre de 2019, a proporção era de 23,54%, o equivalente a 36,5 milhões de pessoas. A relação chegou a alcançar a marca de 31,56% no segundo trimestre de 2020. Mesmo com o recuo este ano, são 9,5 milhões de pessoas a mais do que no período pré-pandemia.

“As contratações devem aumentar com a movimentação deste final de ano. A questão é ver em qual patamar o percentual vai se estabilizar depois ou não”, comentou Sandro Sacchet de Carvalho, técnico de Pesquisa e Planejamento da Diretoria de Estudos e Políticas Macroeconômicas (Dimac) do Ipea que coordena o levantamento.

Ganho real de 74,33% em 14 anos de governo petistas

A atual presidenta do PT interviu com conhecimento de causa. De 2004, quando o valor do salário mínimo era de R$ 260,00, a 2016, a política de valorização do salário mínimo adotada pelos governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff promoveu um aumento real de 74,33% nos rendimentos. Se nesse período tivesse sido aplicada a política de Bolsonaro e Guedes, o piso nacional em janeiro de 2021 teria sido de R$ 599.

A política, resultante do diálogo do governo Lula com as centrais sindicais, estabeleceu um longo processo de valorização que de 2004 a 2019 significou reajuste acumulado de 283,85%, enquanto a inflação (INPC-IBGE) foi de 120,27%.

A fórmula previa um mecanismo de valorização que repunha as perdas inflacionárias desde o último reajuste, pelo INPC; concedia aumento real de acordo com o crescimento do PIB referente ao ano anterior; antecipava gradativamente, a cada ano, a data de reajuste, até fixá-la em 1º de janeiro.

Transformada na Lei 12.382, de 25/02/11, já sob Dilma, e depois na Lei 13.152, de 29/07/15, a política de valorização do piso nacional contribuiu para estimular os investimentos na produtividade que sustentaram o crescimento salarial. Também contribuiu para o crescimento da massa salarial, fortalecendo o mercado interno de consumo e incentivando a economia.

No início deste século, a marca de US$ 100 para o salário mínimo era emblemática, um sonho difícil de ser alcançado até 2004, quando o SM ficou pouco acima desse valor. A virada se deu a partir de 2005 e o piso nacional chegou ao pico de US$ 326,35 em 2011, encerrando 2014 em US$ 308,09.

Em 2015, com o bombardeio de pautas-bomba produzidas a partir do Congresso Nacional pelos derrotados em 2014, e a consequente desvalorização do Real, o mínimo regrediu a um valor inferior a US$ 300.

Nos três anos subsequentes, com o afastamento de Dilma e a gestão do usurpador Michel Temer, o salário mínimo decaiu ainda mais. Bolsonaro se encarregou de extinguir de vez a política de valorização do piso. Pelo câmbio atual, o salário mínimo no Brasil está hoje em US$ 206.

Matéria publicada originalmente no site do PT